A união da técnica milenar do crochê e ideias materializadas em forma de arte foi o que mais me encantou quando conheci o trabalho da Karen, que assina suas obras como Dolorez. A artista visual, natural de Bauru e residente em São Paulo Capital, usa as linhas e as tramas como forma de levantar questionamentos relacionados a ocupação de espaços públicos, à sociedade, à arte de guerrilha, ao feminismo e ao amor.
Foto: Lucas Hirai
Através de suas obras e pesquisas sobre o resgate da mulher tecelã na história e na mitologia, Dolorez cria uma relação interna onde o papel da mulher na arte contemporânea dialoga com a mulher da história, ambas utilizando o ato de tecer como forma de expressão e militância.
Parte da baguncinha que fizemos aqui no RJ
Tive a oportunidade de conhecer a Karen pessoalmente durante sua passagem aqui no Rio de Janeiro. Foi uma manhã muito divertida com outras minas, onde juntas criamos um painel em crochê que foi colocado em uma grade no Parque do Patins, na Lagoa Rodrigo de Freitas. Conversamos muito sobre ativismo, feminismo, o papel da mulher na história e na sociedade de hoje. Depois disso, fiz essa entrevista com a Karen para ela contar pra gente um pouquinho mais sobre ela e sobre esse trabalho que enche os olhos e o coração <3
Zizi: Por quê o crochê? E como surgiu o trabalho da Dolorez?
Dolorez: Sou formada em design editorial e trabalhei na área por aproximadamente nove anos. Moro em SP há seis anos. Depois de cerca de dois anos trabalhando como designer, entrei em algumas crises profissionais e passei a questionar muito meu modo de vida, de trabalho, onde e como gostaria de estar, de fato, trabalhando. Foi quando voltei a fazer crochê, pois já havia aprendido com minha mãe na infância. Aos poucos fui encontrando um caminho e no crochê uma forma de me expressar também.
O meu primeiro trabalho já foi na rua. Comecei com pequenas intervenções e fui evoluindo o trabalho com algumas parcerias. Quando fiz o projeto de graffiti com os grafiteiros Felipe Primat e Julio Falaman, passei bastante tempo na rua, fazendo a instalação do trabalho e interagindo com as pessoas. A partir daí, meu gosto pelas instalações na cidade cresceram e comecei a espalhar frases, desenhos, coisas que me inspiravam de alguma maneira e que queria colocar para fora. A partir dai criei o projeto “A rua é minha tela”, que consiste nos desenhos e frases em murais e painéis pelas cidades. Hoje em dia, a maioria dos meus trabalhos são relacionados a ocupação de espaços públicos, arte de guerrilha e empoderamento feminino.
Foto: Renata Ottoni
A rua é um contato direto e muito sensível que temos com as pessoas durante o processo. A experiência de poder conversar com todo tipo de pessoa que passa por ali é muito agregadora. Quando comecei a colocar os crochês nas ruas, eu não sabia exatamente pra onde estava indo. Foi um processo muito intuitivo que foi surgindo e amadurecendo. Eu acho que usar o crochê de forma “agressiva” com o street art é uma forma de questionar os padrões da sociedade também. Quebrar conceitos e rótulos, como o crochê é só de vovó e só serve pra fazer roupas ou tapetes.
Além do projeto “A rua é minha tela” também desenvolvi, em parceria com o fotógrafo Lucas Hirai (e também meu companheiro), o projeto “#asfloresdapele”: A intervenção une fotografia e crochê e traz para as ruas um ensaio com mulheres incríveis. No formato de “lambe-lambe” com a aplicação de flores de crochê, essas imagens foram espalhadas por São Paulo. O nome do projeto é uma referência a expressão “à flor da pele”, que nesse caso, representa um sentimento latente, presente nas mulheres. Todas tem algo a manifestar. Nele, o próprio corpo foi utilizado como expressão, quando na maioria das vezes, é visto de forma sempre erotizada e não natural. As fotos colocadas na cidade de forma direta, dão luz para que esses sentimentos brotem e se expressem de forma orgânica.
Zizi: Quais as suas principais fontes de inspiração?
Dolorez: O feminino e feminismo sempre fizeram parte de mim e é muito importante poder colocar eles pra fora. Gosto de poder expressar minhas angústias com esses temas e de alguma maneira perceber que o trabalho toca outras pessoas também e até conscientiza.
As Flores da Pele – Foto: Nick Gomes
Qualquer coisa pode inspirar.. músicas, poesias, livros, textos que leio na internet, conversas com pessoas, olhares, histórias. Ultimamente, coisas que me revoltam também tem servido de inspiração. Nesses caso, eu tento não expressar com raiva ou de maneira negativa, e sim, de maneira positiva, justamente, negando o que fazemos muitas vezes por impulso. Infelizmente, nós vivemos numa sociedade onde é cultural agir de forma agressiva e violenta, insultar pra nos defender. Então eu tento fazer de modo oposto, mostrar o que acho importante de maneira positiva, para que as pessoas vejam que há outras maneiras de nos defender, deixando o ego e a raiva de lado, fazendo surgir uma coisa maior do que essas que revoltam.
Também é uma maneira de “liberar” o que sinto. Eu trabalho isso dentro da minha casa e quando coloco na rua é como se eu liberasse, colocasse pra fora aqueles sentimentos e os deixassem ir.
A luta contra o machismo é um tema sempre presente nos meus trabalhos. Todos os dias lidamos com assédio e somos ignoradas, caladas. A minha intenção com os trabalhos de cunho ativista é não só me expressar mas também conscientizar, unir pessoas com as mesmas opiniões, encorajar mulheres a gritarem e falarem de seus abusos também e se ajudarem.
Zizi: Através dos seu trabalho, qual a mensagem que você deseja transmitir à pessoas? Quem é o seu público?
Dolorez: Além do que já citei aqui, acho que o meu trabalho reflete diretamente tudo o que sinto e que percebi que muitas pessoas se identificam também. Acho que essa identificação e reflexão do público ao se depararem com alguma obra minha é extremamente importante para o desenvolvimento pessoal e coletivo das pessoas, especialmente enquanto cidade.
Não sei dizer a certo qual é meu público, mas acredito que seja desde jovens que fazem arte de rua, grafiteiros/as até senhorinhas que adoram a técnica do crochê. rs
Oficina de Street Crochet no RJ
Zizi: Você acredita no poder de transformação da arte? O que isso significa para você?
Dolorez: Completamente. Uma vez eu assisti um documentário chamado “Crazy wisdom” do Chigyam Trungpa Rinpoche. Nele, ele fala que a cultura de um povo só pode ser mudada através da arte. Nunca me esqueci e acredito completamente nisso. Acho que a arte é uma maneira direta (e muitas vezes também indireta) de atingir as pessoas, conscientizar, acolher e transformar.
Zizi: Onde você se enxerga daqui a 10 anos?
Dolorez: Poxa, eu não costumo trabalhar com sonhos e expectativas a tão longo prazo. Mas acho que posso dizer que gostaria de estar viajando o mundo com o meu trabalho. Não precisa ser só em 10 anos, universo, pode ser em 1! hahaha Com meu novo projeto DoloreZ na Mochila, a intenção é, com uma mochila nas costas, espalhar um pouquinho do meu trabalho pelo Brasil. Começando pelo Rio de janeiro!
Essa foi a primeira obra da Karen que vi, antes mesmo de conhecê-la <3 – Foto: Lucas Hirai
Fiz alguns trabalhos por aí e entre eles uma parceria linda com um amigo querido: Guilherme Memi. Ele é grafiteiro e tem um trabalho super sensível que eu admiro demais e logo que marquei minha viagem para o Rio já o convidei para essa colab.
As próximas cidades em vista é Brasília e Belo Horizonte, também estou aceitando convites!! :)
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Olha, BH e Brasília, fiquem de olho pois com certeza sai coisa linda dessa oficina! Se rolar, é sem dúvida um momento incrível de troca e fortalecimento do diálogo.
Para acompanhar a Dolorez:
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Facebook - a página foi tirada doa ar :( Triste, pois foi denunciado por conteúdo explícito provavelmente por causa das fotos do projeto As Flores da Pele, onde seios de mulheres aparecem em lambe lambes com intervenções de crochê. O projeto é justamente para falar sobre a não objetificação do corpo da mulher, para vermos a nudez como algo natural e bonito, nada a ver com pornografia conforme alegam as denúncias.